18 Março 2024

PERSPECTIVAS EM DESTAQUE

JÚLIA SEIXAS, PRESIDENTE DA SUSTAINABLE DEVELOPMENT SOLUTIONS NETWORK PORTUGAL

  1. Qual a missão e objetivos da Sustainable Development Solutions Network Portugal?

A Missão da SDSN Portugal é mobilizar o conhecimento científico e a inovação para encontrar soluções efetivas para acelerar a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ao nível local, nacional e global. Tem como objetivos a mobilização da sociedade Portuguesa, a capacitação e o fortalecimento dos seus diversos agentes, jovens, empresas e outras organizações, com vista à promoção de soluções transformadoras e à advocacy de políticas públicas, sempre baseada na ciência.

 

  1. Quais são os principais desafios que Portugal enfrenta em relação ao desenvolvimento sustentável?

Em primeiro lugar convém clarificar o que é o desenvolvimento sustentável e como o podemos abordar de forma pragmática, ou seja, ao alcance do que podemos e devemos fazer desde já. Um modelo de desenvolvimento sustentável deve responder às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. Esta visão (ainda utópica) implica o uso parcimonioso de recursos do Planeta, e uma organização social e económica equilibrada, equitativa e justa. Naturalmente, numa economia globalizada, como a atual, devemos ter o foco da decisão no sistema mais próximo em que nos integramos (e.g. a economia Portuguesa, o nosso município ou cidade, a nossa casa, a empresa), mas não descurar o impacto das nossas decisões em sistemas mais longínquos, o chamo efeito spillover. Este é talvez o maior desafio que temos atualmente, porque o desenvolvimento sustentável só existirá quando for assumido para todas as regiões e povos do mundo. Os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável constituem um quadro abrangente de referência que ajudam a moldar o nosso espaço das decisões, enquanto cidadãos, empresários, políticos, professores.

Em Portugal, seleciono três desafios estruturais ao desenvolvimento sustentável. O primeiro é a pobreza. Os resultados recentes do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do INE (2023), revelam que 13% da população vivia numa casa sobrelotada e 6% vivia em situação de privação severa das condições de habitação, indicadores que têm vindo a agravar-se nos últimos anos. Sem apoios sociais, a taxa de pobreza seria de 21%. Importa dizer que, ao longo dos últimos anos, o coeficiente de Gini que mede a desigualdade de rendimento, tem vindo a decrescer em Portugal. Outro desafio estrutural transparece na taxa de 2,5% do uso e utilização de materiais recicláveis na economia Portuguesa, a 4ª mais baixa da Europa de acordo com o Eurostat (2023). Os Países Baixos têm uma taxa de 27,5%, para comparação. Este indicador traduz, em certa medida, a enorme necessidade de materiais virgens que precisamos retirar da natureza (em algum local do Planeta) para suportar a nossa economia, com um impacto devastador nos sistemas naturais, suporte de todos os ciclos naturais que sustentam a vida na Terra. A inovação é uma das chaves cruciais para retrocedermos na utilização de materiais virgens. Finalmente, o atual modelo de mobilidade, iniciado há cerca de 100 anos, é um desafio estrutural pelo seu impacto muito significativo na emissão de poluentes com efeitos na saúde pública, e no uso de materiais. A forma como organizamos o território e as cidades, o modelo de trabalho e a gestão de expectativas da nossa agenda diária são alguns fatores que devem ser repensados de uma perspectiva distinta, para reduzirmos drasticamente o uso de transporte individual.

 

  1. Qual é a importância da colaboração entre o setor acadêmico, as fundações e o Governo na promoção do desenvolvimento sustentável em Portugal?

A colaboração entre vários agentes é fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável, porque permite a reunião de diversas perspectivas e necessidades, diversos saberes e recursos. A colaboração entre a academia, as fundações e o governo pode ter um papel crítico para a (re)evolução de políticas públicas com impacto direto em vários domínios da sustentabilidade. O conhecimento e inovação pode ser potenciada pelo papel das fundações na sociedade, e com impacto direto na aproximação a agendas políticas. A mobilização para a transição climática justa é um bom exemplo desta colaboração que, pela sua transversalidade a todas as atividades económicas e sociais, exige modelos novos que devem ser incentivados. A integração dos jovens através de mecanismos claros para a sua contribuição no desenho e decisão de políticas públicas, seja a nível nacional, local ou organizacional, é outro caso que muito beneficiaria daquela colaboração.

 

  1. Quais são as áreas específicas em que a Sustainable Development Solutions Network Portugal pretende concentrar os seus esforços durante o seu mandato?

A SDSN Portugal tem como quadro de referência os ODS, o que significa que a nossa atividade se pauta por ações com impacto final nestes objetivos. Qualquer área explícita nos ODS (e.g. energia, cidades, desigualdades) pode estar na nossa agenda, embora prefira dar prioridade aos fatores facilitadores (enablers) que permitam uma transformação para acelerar o caminho até aos ODS. São exemplo, a transformação da educação para a alinhar com objetivos de sustentabilidade, a integração efetiva dos jovens nos processos de decisão pela perspectiva diferente que trazem à decisão, ou a consideração de outros indicadores para além do PIB, nomeadamente os que traduzem o bem-estar das pessoas e o capital natural, por permite alterar ou ajustar políticas e decisões apenas orientadas pelo PIB.

 

  1. Quais são as suas expectativas em relação à participação e colaboração das fundações no trabalho da Sustainable Development Solutions Network Portugal?

Pela nossa missão e objetivos, podemos antecipar que encontraremos uma comunhão com muitas fundações que têm na sua matriz o propósito do desenvolvimento sustentável, seja de forma direta ou indireta. Tenho por isso expectativas altas de colaboração, seja no domínio da capacitação e fortalecimento da sociedade portuguesa, seja no desenho de soluções transformadoras em diversos domínios.

 

  1. Que oportunidades de parceria existem entre as fundações e a Sustainable Development Solutions Network Portugal, de forma a impulsionar projetos e programas de sustentabilidade?

Os objetivos da SDSN Portugal, na prática, passa por (a) Desenvolver modelos inovadores de diálogo, da academia e centros de inovação, com Governos, empresas e sociedade civil; (b) Promover soluções para a implementação de ODS, através da mobilização do conhecimento científico e multidisciplinar para gerar políticas integradas, transformação sistémica e soluções baseadas na evidência e na ciência; (c) Contribuir para o processo de tomada de decisão, demonstrando a oportunidade de soluções aos decisores políticos, empresariais e sociais.

Neste âmbito, há múltiplas oportunidades de parceria para desenvolver iniciativas com as fundações, enquadradas pelos seus propósitos específicos e que, na maioria dos casos, passa pelo doing for good. Tenderia a privilegiar oportunidades para desenvolver e demonstrar fatores facilitadores (os tais enablers), por exemplo na educação e capacitação, na inovação e mobilização, com o propósito de experimentar opções novas para objetivos disruptivos e ambiciosos em termos de sustentabilidade. Precisamos de projetos man on the moon, que dê esperança a todos, sobretudo aos mais jovens. A SDSN Portugal tem a energia e o compromisso para o fazer.

 

  1. Por último, qual é a sua visão para o futuro do desenvolvimento sustentável em Portugal e de que forma podem as fundações desempenhar um papel significativo na construção desse futuro?

Muito embora reconheça o papel fundamental da(s) iniciativa(s) privada(s) na promoção do desenvolvimento sustentável, que se constata em muitos exemplos, as políticas públicas têm um papel crucial porque definem o caminho de longo prazo, reorientando investimentos e decisões de todos. E este é um problema crítico em algumas áreas do desenvolvimento sustentável: a incapacidade de se pensar e comprometer com o longo prazo. É uma limitação não só de políticos, mas também de empresários e do cidadão em geral. Não somos ensinados nem treinados (em nenhum nível de ensino) para lidarmos bem com a complexidade que nos rodeia e com a incerteza do longo prazo, que é importante porque a transformação para o desenvolvimento sustentável é uma maratona, que tem de ser continuada no tempo. É por isso incompatível com ciclos políticos de 4 anos, ou com estratégias empresariais de curto prazo. Algumas empresas já perceberam este aspeto e estão a desenvolver visões e programas de longo prazo. As Fundações podem ser aliadas fundamentais em iniciativas e programas de capacitação que incentive este tipo de pensamento e mentalidade, em todas as idades e contextos sociais. Temas como a transição climática, a regeneração de ecossistemas, a promoção de uma cultura de paz e empatia são alguns exemplos que beneficiariam com aquela mentalidade e ferramentas adequadas. Pela sua natureza filantrópica, as Fundações têm a oportunidade para liderar iniciativas com impacto muito significativo no desenvolvimento sustentável.

 


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