Em nome do Centro Português de Fundações, gostaria, antes de mais, de agradecer à Vieira de Almeida, Sociedade de Advogados, à Fundação Vasco Vieira de Almeida e a todas as Fundações presentes. Muito obrigado a todos.
Não sei se viram um artigo saído a semana passada no The New York Times, sobre o sentido da filantropia nos nossos dias. A autora desse artigo, intitulado «What if Charity Shouldn’t Be Optimized?», começa por contar a história de um vizinho seu, de juventude, que dizia que gastava mais dinheiro a ir de metro para o trabalho em vez de ir de táxi, porque era incapaz de não dar uma esmola a todos os pedintes que encontrava pelo caminho.
Esse era, digamos, o mundo da antiga «caridade». Mas o artigo fala depois do debate atual, em curso nos Estados Unidos da América, sobre o chamado «altruísmo efetivo», um debate lançado por alguns bilionários, como Dustin Moskovitz, co-fundador do Facebook, Elon Musk ou Jaan Tallinn, fundador do Skypee. O que o «altruísmo efetivo» defende é que a filantropia não deve servir para aliviar as consciências ou a necessidade que os filantropos têm de sentir que estão a fazer e a praticar o bem. O altruísmo, para ser efetivo, deve ser canalizado para onde pode ser realmente transformador, ou seja, para onde possa causar verdadeiro impacto.
O pano de fundo desta nova tendência é, por um lado, uma análise cada vez mais precisa, com base em estatísticas e Inteligência Artificial, sobre os resultados reais da filantropia, mas esta tendência do «altruísmo efetivo» tem uma faceta, digamos, mais complexa e problemática, a do declínio muito significativo, que já está a ser visível na América, no apoio a pequenas comunidades locais, onde os resultados da filantropia são menos visíveis e também – e este é um dado preocupante – o do declínio da filantropia por parte dos cidadãos comuns.
Julgo que conhecem a Generosity Comission, uma organização lançada em 2021 para avaliar, em larga escala, a filantropia nos Estados Unidos e cujo último relatório, lançado há poucos meses, mostrou um declínio muito, muito acentuado, nos últimos anos, no número de pessoas que praticam filantropia no seu quotidiano. E o que o relatório mostra é que, ao contrário do que seria de esperar, durante e depois da Covid os norte-americanos médios, digamos, deram menos dinheiro do que em 2019, que houve menos gente a dar dinheiro e, em terceiro lugar, que houve menos, muito menos gente a participar em ações de voluntariado.
Talvez seja um movimento exclusivo da América, mas talvez estejamos no início de uma tendência em que a filantropia é menos democrática e menos transversal a toda a sociedade, e mais concentrada em «mega doadores» de elevados recursos.
A par dela, existe uma outra tendência, esta mais ideológica, como sabem, para contestar a «filantropia dos bilionários», dizendo que estes devem, isso sim, pagar mais impostos, cabendo não a eles, mas ao poder político democraticamente legitimado decidir onde e devem ser aplicados os recursos.
Serve tudo isto para dizer que, sejamos ou não afetados por estes debates que estão em curso na América – e é quase impossível não sermos afetados por eles – urge restabelecer uma relação de confiança entre a filantropia e os cidadãos.
Na verdade, vivemos tempos de grande transformação social, ambiental e económica, onde as fundações desempenham um papel cada vez mais relevante como agentes de mudança e estabilidade. Contudo, para que o impacto deste sector seja verdadeiramente reconhecido e valorizado, é fundamental assegurar a construção e o fortalecimento de uma relação de confiança com a sociedade.
A autorregulação e o compliance emergem como pilares indispensáveis para atingir este objetivo. Estes conceitos não são meramente instrumentos técnicos ou burocráticos, são práticas que reforçam a transparência, a integridade e a credibilidade das fundações perante as comunidades que servem.
Num ambiente em que a exigência por prestação de contas e informação legal, ou jurídica, é crescente, o Guia que hoje o Centro Português de Fundações divulga pretende refletir o compromisso do sector e sua pretensão em se assumir como um modelo de boas práticas e de rigor.
Ao adoptar padrões elevados de autogoverno e ao promover uma cultura de autorreflexão e melhoria contínuas, o sector fundacional demonstra a sua capacidade de liderar pelo exemplo. Mais do que responder às obrigações legais, as fundações têm a oportunidade de ir além, mostrando de que forma uma gestão ética e transparente pode amplificar o impacto das suas diferentes iniciativas – e conquistar a confiança dos cidadãos, da sociedade e dos agentes políticos.
Para as comunidades onde operamos, a confiança nasce, para além do contacto com a ação, também da clareza de propósitos e da transparência com que as fundações comunicam os seus objetivos, os meios utilizados para alcançá-los e os resultados obtidos. Para as fundações, este processo fortalece a sua legitimidade, promove o desenvolvimento de parcerias estratégicas e inspira mais pessoas a envolverem-se nas suas causas.
O Guia de autorregulação e compliance, desenvolvido pelo Centro Português de Fundações em parceria com a Vieira de Almeida, Sociedade de Advogados, constitui um marco importante neste percurso. Pretende disponibilizar ferramentas e orientações práticas e acessíveis, de forma a apoiar as fundações portuguesas na implementação de sistemas que promovam o cumprimento das diferentes normas legais a que estão sujeitas.
A adopção de uma abordagem proativa nestes temas não só protege as fundações de riscos reputacionais, mas também eleva o setor como um todo, criando uma base sólida para a sua continuidade e crescimento. Em última análise, é esta dedicação à excelência que permitirá às fundações desempenhar o seu papel crucial na construção de uma sociedade mais justa e mais inclusiva.
O compromisso com a autorregulação e o compliance não é apenas uma responsabilidade – é uma oportunidade de reforçar a nossa missão coletiva e de inspirar confiança no mundo que estamos a construir juntos, pelo próximo, pelo futuro.
Muito obrigado.
António Araújo – CPF